Um dos aspectos mais intrigantes na leitura de Falei com Da Vinci, é a verificação de que ele pode dizer coisas que parece não estar dizendo: além das informações explicitamente enunciadas, existem outras que ficam subentendidas ou pressupostas.
Quando uma informação não é dita, mas tudo o que é dito nos leva a identificá-la, estamos diante de algo subentendido ou inferível. Nada é gratuito nesse livro, tudo tem sentido, é fruto de uma intenção consciente. Para captar os implícitos, precisamos inferir a partir de insinuações escondidas por trás de cada informação.
Subentendido significa algo que se entende, apesar de não estar expresso ou enunciado. Algo que está na mente, mas não foi expresso de forma explícita.
Eucajus faz uso indiscriminado da Polissemia, para gerar ambiguidade, que é o duplo sentido do enunciado. Como no subtítulo do livro, a palavra ‘ordem’. Para criar uma “Anfibologia”.
Anfibologia vem do grego amphibolia e é considerado um vício de linguagem. É a duplicidade de sentido em uma construção sintática, quando permite mais de uma interpretação. No caso, uma ambiguidade lexical: Ordem dos fantasmas.
- Quem são os fantasmas? Os personagens da narrativa ou os pensamentos do autor?!
No entanto, ao captarmos os implícitos, e as insinuações escondidas por trás da narrativa, descobriremos que o subtendido está na palavra ‘fantasmas’! Cujo significado, está no contexto da Psicanálise e da filosofia. Na Psicanálise, a noção de Fantasma está ligada à fantasia fundamental do sujeito, isto é, uma narrativa através da qual o sujeito se coloca no mundo, se enxerga e se relaciona com os outros. O atravessamento dessa fantasia, isto é, das identificações mais aglutinadas e alienantes em relação ao Outro, é o objetivo de uma análise, até porque, como dizia Lacan, não há cura, na medida em que não se pode curá-lo de seu inconsciente. Na filosofia, segundo São Tomás de Aquino, o fantasma corresponde ao conteúdo que é armazenado na phantasia (fantasia):
[...] por parte dos fantasmas, a operação intelectual é causada pelos sentidos. Mas, uma vez que os fantasmas não são suficientes para modificar o intelecto passivo, devem se tornar inteligíveis em ato pelo intelecto agente. Não se pode dizer que o conhecimento sensível é a causa total e perfeita do conhecimento intelectual, mas sim que é de certa forma a matéria causal.
Portanto, os fantasmas são os dados recolhidos de cada um dos sentidos, desempenhando três atividades: organizar as informações que recebemos pelos sentidos, representar de modo semelhante à coisa sensível e apresentar o fantasma ao intelecto agente.
Por que Ordem dos Fantasmas? Porque, o intelecto não pode fazer um julgamento perfeito se não for debruçado no fantasma formado a partir das afeções sensíveis, assim o ponto de partida para o julgamento do intelecto são sempre os fantasmas.
Falei com Da Vinci, conduz o leitor aos implícitos, a uma leitura plena, que desvenda, que revela, que possibilita uma visão crítica do mundo e de nó mesmos, conduz a uma nova ordem de cidadãos leitores, que já existem. Mas, que estão por aí, configurados como fantasmas na sociedade.
Ilana S. Rabel